Pesquisas apontam que as crianças, a partir dos 3 anos, são capazes de pensar em números e textos. É possível propor atividades com esses temas sem deixar as brincadeiras de lado.
Números e textos estão por toda parte - na TV, nos livros, nas placas, na tela do computador e na calculadora - e, desde cedo, as crianças têm a oportunidade de formular ideias a respeito dessas informações. Pesquisas mostram que elas relacionam a escrita e os números com a língua falada e, assim, identificam regularidades que usam como apoio para seguir avançando. Por isso - e por não aprenderem de forma linear -, podem, por exemplo, escrever números antes de saber contar ou uma legenda sem conhecer as letras.
Cabe à Educação Infantil explorar esses conhecimentos e os questionamentos dos pequenos por meio de situações didáticas em que esse saber possa ser aprofundado. Na prática, isso significa planejar momentos de uso dos números e dos textos sempre que eles fizerem parte da rotina. No caso da escrita, as atividades com listas e textos memorizados podem ser ampliadas com propostas de reflexão sobre o sistema articuladas à produção de textos de diversos gêneros, como resenhas de livros. No campo dos números, o recomendado é usá-los e problematizá-los nas situações em que aparecem: por exemplo, o controle e a comparação de quantidades, dos materiais de sala.
Hoje, práticas desse tipo têm sido deixadas de lado por receio de escolarizar a creche e a pré-escola. Mas isso não faz sentido. Documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil dão ênfase às brincadeiras e à interação com colegas e adultos, mas também mencionam o trabalho com a escrita e o sistema de numeração. "Faltam, porém, orientações mais precisas sobre que conteúdos trabalhar e de que forma, o que leva à manutenção de práticas ultrapassadas, como a cópia de letras", diz Eliana Borges Correia de Albuquerque, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para ela, isso explica o fato de muitas crianças chegarem ao 1º ano sem terem tido oportunidade de interagir com a língua escrita e, às vezes, sem saber escrever o próprio nome.
Pesquisas indicam que não é preciso esperar que as crianças saibam contar ou escrever bem para depois pedir que anotem os algarismos. Registrar o total de materiais disponíveis numa caixa - como tesouras e pincéis -, por exemplo, permite a elas relacionar o nome dos números e os objetos. "Na hora de contar, elas precisam prestar atenção para não considerar um item mais de uma vez e para não deixar nenhum deles de fora", diz Susana Wolman. A tarefa põe em jogo ainda a habilidade de reconhecer que o último número da contagem feita corresponde à quantidade total de coisas, o que não é simples nessa fase.
A correspondência termo a termo entre os objetos e as marcas gráficas, segundo os estudos de Susana, aparece a partir dos 3 anos. Mesmo quem usa algarismos para escrever a quantidade em uma etiqueta, por exemplo, às vezes inclui marcas, como riscos. "Os pequenos registram outras informações além do número, pois compreendem a intenção comunicativa da tarefa", diz Maria Emilia Quaranta, integrante da equipe de Matemática da Direção de Currículo da Secretaria de Educação do Governo da Cidade de Buenos Aires. Os principais resultados da pesquisa de Susana são mostrados a seguir por meio das produções de crianças a partir de 3 anos e 1 mês de idade.
Encaminhamentos É possível propor uma reflexão coletiva a respeito das produções em que as crianças registram quantidades. Algumas perguntas ajudam nesse momento: "Qual vocês acham a melhor maneira de identificar o número de objetos?", "Dá para anotar muitos objetos com um só número?". Assim, coloca-se em discussão uma ideia sustentada por muitas delas - a de que isso não é possível. Ao mostrar escritas convencionais (como a de Luiza) e icônicas (como a de Pilar), questione: "Qual permite encontrar a resposta mais rapidamente?" Em situações de registro e discussão coletiva, a criançada revisa suas hipóteses e formula novas para avançar em direção à escrita convencional dos números e o que ela representa.
Ditado de números
A turma estabelece relações entre a contagem e a notação numérica e reflete sobre regularidades do sistema
Está comprovado que, para escrever e interpretar os números, as crianças se apoiam na numeração falada. "Elas identificam a parte que conhecem e, em alguns casos, esse é o único algarismo que escrevem num ditado", diz Susana. Elas também usam um número curinga no lugar do que não conhecem.
Os estudos também indicam que os pequenos não aprendem os números em ordem: primeiro de 1 a 10, depois de 11 a 20 e assim por diante. Os redondos funcionam como ponto de apoio para a apropriação de outras notações. Eles podem escrever convencionalmente 10, 30, 100 ou 1.000 antes de saber o 38, por exemplo. Esse conhecimento e as informações que extraem da numeração falada levam a meninada a produzir escritas não convencionais, como 10033 quando querem representar 133. O ditado pode levar à reflexão sobre as regularidades do sistema (como o fato de toda dezena ter dois dígitos) e sobre o valor posicional dos números (em que um mesmo algarismo tem valores diferentes dependendo de sua posição). Nessa atividade, a calculadora funciona como um apoio para quem não tem habilidade motriz e como material de consulta, pois os algarismos estão disponíveis nas teclas. Confira, com base no ditado abaixo, as descobertas da pesquisadora.
A turma estabelece relações entre a contagem e a notação numérica e reflete sobre regularidades do sistema
Está comprovado que, para escrever e interpretar os números, as crianças se apoiam na numeração falada. "Elas identificam a parte que conhecem e, em alguns casos, esse é o único algarismo que escrevem num ditado", diz Susana. Elas também usam um número curinga no lugar do que não conhecem.
Os estudos também indicam que os pequenos não aprendem os números em ordem: primeiro de 1 a 10, depois de 11 a 20 e assim por diante. Os redondos funcionam como ponto de apoio para a apropriação de outras notações. Eles podem escrever convencionalmente 10, 30, 100 ou 1.000 antes de saber o 38, por exemplo. Esse conhecimento e as informações que extraem da numeração falada levam a meninada a produzir escritas não convencionais, como 10033 quando querem representar 133. O ditado pode levar à reflexão sobre as regularidades do sistema (como o fato de toda dezena ter dois dígitos) e sobre o valor posicional dos números (em que um mesmo algarismo tem valores diferentes dependendo de sua posição). Nessa atividade, a calculadora funciona como um apoio para quem não tem habilidade motriz e como material de consulta, pois os algarismos estão disponíveis nas teclas. Confira, com base no ditado abaixo, as descobertas da pesquisadora.
Fonte Reprodução Conhecimentos Infantis Acerca do Sistema de Numeração, de Susana Wolman
Um curinga para a dezena Sofia se apoia na numeração falada para anotar os números ditados. Ela escreve o correspondente à unidade (que reconhece mais facilmente) e usa um curinga para a dezena (na maioria das vezes o 1). Grafa 87 e 37 da mesma forma, assim como 35 e 45. A repetição não é bem aceita pela menina, mas ela não sabe como resolver a questão. Essa é uma oportunidade para propor a consulta a portadores numéricos - como a fita métrica e a numeração das páginas de um livro.
Textos: escrever, comparar e refletir
Inserir práticas de escrita na rotina leva a criançada a pensar sobre o sistema em situações reais de comunicação
Hoje já se sabe que os pequenos reconhecem rapidamente duas das características básicas de qualquer sistema de escrita: que as formas são arbitrárias (porque as letras não reproduzem o contorno dos objetos) e que estão ordenadas de modo linear. Essas marcas aparecem muito cedo em suas produções. "Mesmo que não usem o modo convencional, eles já sabem escrever e o fazem com intenção comunicativa, de acordo com as hipóteses que sustentam no momento", diz Claudia Molinari. Por isso, é importante expor os textos escritos pela criançada - devidamente acompanhados da transcrição do que pretendiam dizer. Muitas vezes, nessa fase, os professores se limitam a atuar como escribas, redigindo os textos pela turma.
"Por que não dar às crianças a oportunidade de tomar o lápis e escrever de forma independente durante uma das etapas de um projeto didático?", questiona a pesquisadora. Essa é a oportunidade de elas refletirem sobre aspectos do sistema alfabético. Na transição da hipótese silábica para a silábica alfabética (quando começam a abandonar a escrita feita quase predominantemente com vogais e passam a acrescentar consoantes), ocorre um impasse: quantas e quais letras usar e em que ordem colocá-las? É o que se chama de alternância grafofônica. Nesse ponto, é comum, de acordo com Claudia, que registrem o mesmo termo de diferentes maneiras.
Os pequenos também relacionam fala e escrita, o que causa outro conflito: como separar no papel o que aparece como um todo contínuo na oralidade? A hipossegmentação (quando não há separação das palavras onde deveria haver) e a hipersegmentação (quando isso ocorre em excesso) são frequentes nesse estágio.
Esses aspectos podem ser discutidos por meio da comparação de versões de um mesmo texto ou de uma mesma palavra. É o que Claudia define como escritas sucessivas (leia mais na última página). "Elas funcionam como um registro do percurso de cada criança e podem ser usadas como uma fonte de informação em futuras intervenções", diz ela. Para a turma, o contraste de versões permite confrontar hipóteses e, assim, continuar aprendendo. Todos discutem as produções, leem e releem o que redigiram e buscam informações em livros e outros materiais disponíveis na sala.
Em classes a partir dos 3 anos, é possível iniciar a comparação e a discussão entre as escritas do grupo. O recomendado é circular pela sala e fazer intervenções pontuais na produção de cada criança para propor problemas, solicitar que todos interpretem o que escreveram ou que revisem letras do meio ou do fim de determinada palavra.
Inserir práticas de escrita na rotina leva a criançada a pensar sobre o sistema em situações reais de comunicação
Hoje já se sabe que os pequenos reconhecem rapidamente duas das características básicas de qualquer sistema de escrita: que as formas são arbitrárias (porque as letras não reproduzem o contorno dos objetos) e que estão ordenadas de modo linear. Essas marcas aparecem muito cedo em suas produções. "Mesmo que não usem o modo convencional, eles já sabem escrever e o fazem com intenção comunicativa, de acordo com as hipóteses que sustentam no momento", diz Claudia Molinari. Por isso, é importante expor os textos escritos pela criançada - devidamente acompanhados da transcrição do que pretendiam dizer. Muitas vezes, nessa fase, os professores se limitam a atuar como escribas, redigindo os textos pela turma.
"Por que não dar às crianças a oportunidade de tomar o lápis e escrever de forma independente durante uma das etapas de um projeto didático?", questiona a pesquisadora. Essa é a oportunidade de elas refletirem sobre aspectos do sistema alfabético. Na transição da hipótese silábica para a silábica alfabética (quando começam a abandonar a escrita feita quase predominantemente com vogais e passam a acrescentar consoantes), ocorre um impasse: quantas e quais letras usar e em que ordem colocá-las? É o que se chama de alternância grafofônica. Nesse ponto, é comum, de acordo com Claudia, que registrem o mesmo termo de diferentes maneiras.
Os pequenos também relacionam fala e escrita, o que causa outro conflito: como separar no papel o que aparece como um todo contínuo na oralidade? A hipossegmentação (quando não há separação das palavras onde deveria haver) e a hipersegmentação (quando isso ocorre em excesso) são frequentes nesse estágio.
Esses aspectos podem ser discutidos por meio da comparação de versões de um mesmo texto ou de uma mesma palavra. É o que Claudia define como escritas sucessivas (leia mais na última página). "Elas funcionam como um registro do percurso de cada criança e podem ser usadas como uma fonte de informação em futuras intervenções", diz ela. Para a turma, o contraste de versões permite confrontar hipóteses e, assim, continuar aprendendo. Todos discutem as produções, leem e releem o que redigiram e buscam informações em livros e outros materiais disponíveis na sala.
Em classes a partir dos 3 anos, é possível iniciar a comparação e a discussão entre as escritas do grupo. O recomendado é circular pela sala e fazer intervenções pontuais na produção de cada criança para propor problemas, solicitar que todos interpretem o que escreveram ou que revisem letras do meio ou do fim de determinada palavra.
Texto: Bruna Nicolielo
Publicado em Nova Escola
Título original: Elas sabem muito. Aproveite
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